A crescente popularidade das apostas online tem trazido desafios para o ambiente corporativo, especialmente quando a prática se torna um problema para os trabalhadores e suas empresas. Recentemente, uma decisão do Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região (TRT5) reacendeu o debate sobre a responsabilidade das empresas ao lidar com empregados que sofrem de ludopatia, um transtorno psiquiátrico reconhecido pela Organização Mundial da Saúde (OMS).
O que é ludopatia e por que as empresas devem se preocupar?
A ludopatia, também conhecida como jogo patológico, é um transtorno psiquiátrico caracterizado pelo impulso incontrolável de apostar, mesmo diante de prejuízos financeiros e sociais significativos. Esse distúrbio pode afetar profundamente a vida pessoal e profissional do indivíduo, levando a problemas financeiros, conflitos familiares e queda de desempenho no trabalho.
No Brasil, a popularização das apostas online tem impulsionado o aumento dos casos de ludopatia. Um levantamento do Instituto DataSenado revelou que 42% dos brasileiros que realizaram apostas esportivas no último mês de 2024 estavam endividados e com contas atrasadas há mais de 90 dias. Esse dado indica um crescimento alarmante da dependência em jogos de azar e reforça a necessidade de as empresas estarem atentas aos impactos dessa realidade no ambiente de trabalho.
Funcionários que sofrem de ludopatia podem apresentar sinais como desatenção, baixa produtividade, atrasos frequentes, pedidos constantes de adiantamento salarial e até mesmo envolvimento em fraudes ou desvios de recursos para cobrir dívidas de jogo. Para as empresas, o problema pode comprometer a qualidade do trabalho, gerar riscos financeiros e resultar em desafios legais caso o trabalhador venha a ser dispensado sem o devido respaldo jurídico.
O caso analisado pelo TRT5
Em um caso recente, um empregado foi demitido por justa causa sob alegação de improbidade e quebra de confiança, após um processo disciplinar que apurou desvio de dinheiro para saldar dívidas de jogo. No entanto, o trabalhador alegou que sua condição psiquiátrica — ludopatia — o impedia de discernir as consequências de suas ações. O tribunal considerou que, ao tempo da dispensa, o empregado estava incapacitado para o trabalho devido à doença, declarando nula a demissão por justa causa e determinando sua reintegração, além da reativação do plano de saúde.
A decisão destacou que o direito potestativo do empregador de extinguir um contrato de trabalho deve respeitar os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e do valor social do trabalho. Dessa forma, um trabalhador portador de patologia incapacitante não pode ser dispensado de forma imotivada.
O que essa decisão significa para as empresas?
Essa decisão reforça a necessidade de que as empresas adotem uma abordagem criteriosa e estratégica para lidar com casos de ludopatia no ambiente de trabalho. A aplicação da justa causa exige provas robustas e um processo disciplinar adequado, mas, quando há um diagnóstico psiquiátrico comprovado, as empresas podem enfrentar desafios jurídicos ao justificar a rescisão contratual.
Diante desse cenário, a melhor estratégia para as empresas é a prevenção e a gestão adequada desses casos. Algumas medidas que podem ser adotadas incluem:
✔ Incluir a temática em políticas internas e códigos de conduta – A empresa deve estabelecer regras claras sobre apostas durante o expediente e reforçar que o descumprimento pode acarretar sanções.
✔ Capacitar gestores e líderes para identificar sinais de problemas – Funcionários com problemas com jogos de azar podem demonstrar queda de produtividade, mudanças comportamentais e dificuldades financeiras evidentes. O olhar atento da liderança pode evitar agravamentos.
✔ Criar regras de intolerância à prática de jogos no trabalho – Para evitar ambiguidades, é essencial que a empresa defina diretrizes claras sobre o tema e comunique as consequências de forma objetiva.
✔ Realizar investigações rigorosas antes de aplicar uma demissão por justa causa – A empresa precisa coletar provas irrefutáveis, como registros digitais e depoimentos de testemunhas registrados em ata notarial, garantindo que a decisão seja sustentada juridicamente.
✔ Oferecer suporte em casos comprovados de ludopatia – Quando um empregado apresenta diagnóstico clínico de jogo patológico, a empresa pode buscar alternativas antes da dispensa, como o encaminhamento para tratamento psiquiátrico.
A ludopatia é um problema real que pode impactar diretamente o desempenho profissional dos trabalhadores e o ambiente corporativo. Para as empresas, é fundamental equilibrar o rigor disciplinar com uma abordagem que leve em conta a saúde mental dos colaboradores. Políticas bem definidas, gestão preventiva e suporte adequado podem minimizar riscos jurídicos e preservar um ambiente de trabalho saudável e produtivo.